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Matosinhos no Caminho Português de Santiago | A Origem da Vieira

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Símbolo indissociável do apóstolo Santiago e do Caminho para Compostela, a concha de vieira aparece desde muito cedo ligada à devoção e às peregrinações jacobeias. A origem desta relação entre a concha e o Apóstolo é bastante remota e é na praia de Matosinhos que se encontra a sua explicação.

De facto, é numa das lendas que pertencem à História e às tradições orais de Matosinhos que se encontra o episódio que terá originado a utilização da concha de vieira como símbolo de Santiago e das peregrinações ao seu túmulo. A lenda matosinhense cruza-se com um outro episódio lendário, o da trasladação do corpo santo, desde a Palestina à Galiza, conforme relata, por exemplo, a Legenda Áurea.

As fontes documentais conhecidas referem que após a morte de Santiago, e temendo perseguições por parte dos judeus, dois dos discípulos do apóstolo colocaram o seu corpo num navio sem leme e lançaram-se ao mar. A embarcação, talhada em pedra e conduzida por anjos, acabou por atravessar o Mediterrâneo e subir pela costa portuguesa, até ao porto romano de Iria, na então província da Gallaecia (atual Galiza), região na qual Santiago teria feito a sua última missão de evangelização, antes de voltar à sua terra natal, onde acabaria por ser morto. A viagem de trasladação, que terá ocorrido pelo ano 44 d.C., foi repleta de acontecimentos milagrosos. Entre eles se conta o encontro da embarcação que transportaria os restos mortais de Santiago com o cavaleiro romano Cayo Carpo, no mar de Matosinhos.

Segundo a lenda, no mesmo ano de 44 d.C., Cayo Carpo, principal senhor do território que é atualmente Matosinhos, elegeu a praia desta localidade para celebrar o seu casamento com Cláudia Lobo, nobre gaiense descendente de um pretor romano. Enquanto decorria a festa, Cayo Carpo desafiou alguns dos seus convidados para uma corrida de cavalo no areal. Porém, esta corrida teria um objetivo particular: ganharia quem, cavalgando em direção ao mar, conseguisse levar a sua montada mais longe através da água. Muito foram os convidados que aceitaram o desafio. Porém, os menos hábeis ou aqueles que possuíam cavalos de menor envergadura rapidamente ficaram para trás. Cayo Carpo, por sua vez, destacava-se cada vez mais, até dos mais intrépidos.

Avançava pelo mar, ganhando uma distância que deixou todos os presentes boquiabertos. E de nada adiantava ao jovem tentar parar o seu cavalo, que avançava sem que nada o parasse, galopando miraculosamente pela superfície das águas.

Cavaleiro e montada detiveram-se apenas diante da peculiar embarcação, que por ali passava naquele momento. Quando entrou na embarcação, Cayo Carpo constatou com espanto que esta era talhada em pedra e que transportava um cadáver. Os tripulantes explicaram então que eram cristãos e transportavam o corpo do apóstolo Santiago, para lhe dar sepultura em terras da Hispânia, onde este havia estado em missão de evangelização. Completamente deslumbrado com o que acabara de testemunhar, Cayo Carpo logo ali se converteu ao Cristianismo.

O regresso do jovem noivo era esperado pela multidão que entretanto assistia na praia, ansiando por uma explicação para o que estava a ocorrer. Mas, se de início a viagem de regresso era feita novamente à superfície, logo depois o cavaleiro e sua montada foram engolidos pelas águas, desaparecendo da vista de todos. Ao fim de alguns instantes, e quando o desespero já tomava conta dos que assistiam a tudo na praia, eis que o jovem emerge por entre as ondas em direção ao areal. Miraculosamente saídos das profundezas do mar, Cayo Carpo e a sua montada traziam o corpo completamente coberto de conchas de vieira.

A multidão não tardou a aproximar-se do jovem para ouvir o seu relato sobre o que acabavam de presenciar. Perante o que viram e ouviram, também os presentes se converteram imediatamente ao cristianismo. É desta forma que se explica como esta região se torna cristã e como, a partir de então, a concha de vieira passou a ser símbolo por excelência do culto a Santiago.

Esta mesma lenda que relaciona Matosinhos com as devoções jacobeias, e que permanece como uma das mais queridas na memória coletiva da região, está também associada à origem da própria toponímia do concelho. Acontece que, segundo história lendária, as pessoas que olhavam o areal, incrédulas com o que estaria a acontecer, testemunharam o regresso do cavaleiro todo “matizado” de vieiras. Por tal motivo, Cayo Carpo terá passado, desde esse dia, a ser conhecido como o “Matizadinho” e a praia onde tudo se passou, que na altura ainda não tinha nome, passou a ser chamada de praia do “Matizadinho”. Este topónimo terá pois sofrido a evolução ao longo dos séculos, até dar lugar à palavra Matosinhos.

Várias versões desta lenda são conhecidas, não só aqui como em Espanha, Itália e outros locais por onde passam os Caminhos. De tal forma é a sua repercussão, que este episódio foi representado iconograficamente com grande frequência a partir do século XV, com diversas obras artísticas espalhadas um pouco por toda a Península Ibérica e em Itália. A associação deste conto lendário à costa de Matosinhos é também bastante antiga. Pelo menos desde os inícios do século XVII, que praticamente todas as versões que se conhecem da lenda, em Portugal como em Espanha, indicam como cenário dos acontecimentos o vasto areal de Bouças, designação que teve, até aos primeiros anos do século XX, o território que é atualmente o concelho de Matosinhos.

O inegável potencial simbólico e turístico que esta lenda possui no contexto dos Caminhos de Santiago terá sido a causa maior para que, há alguns anos, Vigo tenha tentado reivindicar para si o palco desta lenda. Para tal, foi apresentado o argumento de que, não existindo em Portugal nenhuma localidade designada Bouças, a lenda só poderia referir-se ao povoado litoral de “Bouzas”, perto de Vigo.

A verdade é que o argumento foi muito facilmente rebatido (e a tentativa falhada) pelo simples facto de que, até 1909, o atual concelho de Matosinhos se designava precisamente Bouças.

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Neste sentido, a ligação de Matosinhos com as rotas jacobeias encontra-se mais que justificada. Se não bastasse o peso simbólico de ser a região palco da origem de um dos mais conhecidos símbolos de Santiago, Matosinhos era ainda opção muito frequente dos peregrinos por outras razões bastante fortes. É a terra onde se encontra a também lendária e miraculosa imagem do Cristo Crucificado, mais conhecido como Senhor de Matosinhos, cuja veneração foi igualmente motivo de várias peregrinações e romarias durante séculos. Quem fazia a peregrinação rumo a Santiago, acabava por querer passar também no local onde se encontrava a escultura milagrosa, primeiro no extinto Mosteiro de Bouças, depois na Igreja construída de raiz para albergar a imagem.

É ainda no concelho de Matosinhos que se encontra o Mosteiro de Leça do Balio, primeira casa-mãe dos Cavaleiros da Ordem do Hospital em território nacional. Sendo uma das principais funções desta Ordem proteger e prestar assistência aos peregrinos, o mosteiro foi, durante séculos, ponto de passagem incontornável para todo o peregrino a Santiago.

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